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A guerra das margens do São Francisco: o dia em que Penedo-AL e Neópolis-SE se enfrentaram

  • 5 de nov.
  • 3 min de leitura

Por Fabrício Vasconcelos

Turismólogo


Quem vê hoje o tranquilo vai e vem das embarcações no rio São Francisco, talvez, não imagine que, há mais de duzentos anos, as cidades de Penedo (AL) e Neópolis (SE) — conhecida na época como Vila Nova — viveram um dos episódios mais tensos da história nordestina.


Esse conflito, que colocou as duas margens do “Velho Chico” em guerra, ocorreu em 1817, durante a Revolução Pernambucana, um movimento separatista e republicano que sacudiu o Nordeste do Brasil colonial.

Quando o São Francisco virou linha de batalha

Naquele período, Penedo era uma vila próspera, conhecida pelo comércio fluvial, pela navegação e pela presença de famílias influentes ligadas à Igreja e ao poder colonial.
Já Vila Nova (atual Neópolis) se destacava como ponto estratégico militar e de abastecimento, com forte ligação à Capitania de Sergipe Del Rey.

Segundo o estudo de Santos (2019), do repositório da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), os penedenses chegaram a simpatizar com as ideias libertárias vindas de Pernambuco. No entanto, com o avanço das tropas fiéis à Coroa portuguesa e a repressão brutal — que incluiu o fuzilamento do padre Roma —, Penedo rapidamente mudou de posição.

Para provar fidelidade ao rei D. João VI, seus líderes promoveram cerimônias públicas de lealdade e enviaram cartas ao governo, tentando afastar qualquer suspeita de traição. Esse reposicionamento, porém, não agradou aos moradores da outra margem do rio.

O ataque vindo de Vila Nova (Neópolis)

Ainda conforme Santos (2019), habitantes de Vila Nova aderiram ao movimento revolucionário e passaram a retaliar os penedenses — vistos como traidores da causa republicana. Relatos da época mencionam ataques a embarcações, confisco de bens, tiros contra moradores e até sequestro de escravizados de Penedo. Em resposta, as autoridades penedenses clamaram por socorro ao governo, reforçando sua lealdade à monarquia e pedindo medidas contra os revoltosos.

Enquanto isso, as forças de Vila Nova agiam como uma guerrilha regional, movidas tanto por ideais políticos quanto por antigas rivalidades comerciais e familiares. Foi literalmente uma guerra entre vizinhos, que marcou para sempre a memória coletiva das duas cidades.

Duas versões da mesma história

O historiador Flávio José Gomes Cabral (2017), em artigo publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, acrescenta outro olhar: segundo ele, as autoridades oficiais de Vila Nova — ou seja, a elite política e militar — permaneceram leais à Coroa portuguesa, mesmo que parte da população local simpatizasse com a Revolução Pernambucana.

Essa diferença de perspectiva ajuda a entender que a rivalidade entre Penedo e Neópolis não foi apenas política, mas também social e simbólica. Enquanto Penedo buscava preservar sua influência econômica, Neópolis representava o espírito insurgente e o desejo de autonomia das vilas sergipanas.

Rivalidade que o tempo transformou em história

Hoje, mais de dois séculos depois, Penedo e Neópolis compartilham muito mais do que uma história de conflitos. Ambas as cidades são berços de cultura, fé e tradições que moldam a identidade do Baixo São Francisco. A antiga rivalidade se transformou em motivo de curiosidade histórica, e conhecer essa narrativa é também descobrir as origens políticas do Nordeste brasileiro.

Ao visitar Penedo, caminhar por suas ruas antigas ou observar a margem sergipana do rio é como folhear um capítulo vivo da história nacional. E é exatamente isso que faz dessa região um dos lugares mais fascinantes para o turismo cultural no Brasil.

Fontes e referências
  • SANTOS, G. P. Patrimônio e educação patrimonial na rede estadual de ensino na cidade de Penedo – AL (2016–2019). Universidade Federal de Alagoas – UFAL, 2019.
  • CABRAL, Flávio José Gomes. A Revolução de 1817 e suas dimensões internacionais. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, 2017.

Dica da Mais Tour:
Quer conhecer os locais onde essa história aconteceu? Venha descobrir o Centro Histórico de Penedo, suas igrejas seculares. Atravesse o rio e conheça Neópolis, conhecida como a "Capital Sergipana do Frevo". O Velho Chico continua sendo o mesmo — mas agora une, em vez de dividir, as duas margens de uma história inesquecível.

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